domingo, setembro 23, 2007

O Norte

"Primeiro, as verdades:



O Norte é mais Português que Portugal.
As minhotas são as raparigas mais bonitas do País.
O Minho é a nossa província mais estragada e continua a ser a mais bela.
As festas da Nossa Senhora da Agonia são as maiores e mais impressionantes que já se viram.Viana do Castelo é uma cidade clara. Não esconde nada. Não há uma Viana secreta. Não há outra Viana do lado de lá. Em Viana do Castelo está tudo à vista. A luz mostra tudo o que há para ver. É uma cidade verde-branca. Verde-rio e verde-mar, mas branca.
Em Agosto até o verde mais escuro, que se vê nas árvores antigas do Monte de Santa Luzia, parece tornar-se branco ao olhar. Até o granito das casas.



Mais verdades...


No Norte a comida é melhor.
O vinho é melhor.
O serviço é melhor.
Os preços são mais baixos.
Não é difícil entrar ao calhas numa taberna, comer muito bem e pagar uma ninharia.
Estas são as verdades do Norte de Portugal.


Mas há uma verdade maior.


É que só o Norte existe.
O Sul não existe.
As partes mais bonitas de Portugal, o Alentejo, os Açores, a Madeira, Lisboa, existem sozinhas. O Sul é solto. Não se junta.
Não se diz que se é do Sul como se diz que se é do Norte.
No Norte dizem-se e orgulham-se de se dizer nortenhos.
Quem é que se identifica como sulista?
No Norte, as pessoas falam mais no Norte do que todos os portugueses juntos falam de Portugal inteiro. Os nortenhos não falam do Norte como se o Norte fosse um segundo país. Não haja enganos. Não falam do Norte para separá-lo de Portugal. Falam do Norte apenas para separá-lo do resto de Portugal. Para um nortenho, há o Norte e há o Resto. É a soma de um e de outro que constitui Portugal. Mas o Norte é onde Portugal começa. Depois do Norte, Portugal limita-se a continuar, a correr por ali abaixo. Deus nos livre, mas se se perdesse o resto do país e só ficasse o Norte, Portugal continuaria a existir. Como país inteiro. Pátria mesmo, por muito pequenina. No Norte. Em contrapartida, sem o Norte, Portugal seria uma mera região da Europa. Mais ou menos peninsular, ou insular.



É esta a verdade.


Lisboa é bonita e estranha mas é apenas uma cidade.
O Alentejo é especial mas ibérico, a Madeira é encantadora mas inglesa e os Açores são um caso à parte...
Em qualquer caso, os lisboetas não falam nem no Centro nem no Sul - falam em Lisboa.
Os alentejanos nem sequer falam do Algarve - falam do Alentejo. As ilhas falam em si mesmas e naquela entidade incompreensível a que chamam, qual hipermercado de mil misturadas, Continente.

No Norte, Portugal tira de si a sua ideia e ganha corpo. Está muito estragado, mas é um estragado português, semi-arrependido, como quem não quer a coisa.
O Norte cheira a dinheiro e a alecrim. O asseio não é asséptico - cheira a cunhas, a conhecimentos e a arranjinho. Tem esse defeito e essa verdade.

Em contrapartida, a conservação fantástica de (algum) Alentejo é impecável, porque os alentejanos são mais frios e conservadores (menos portugueses) nessas coisas.

O Norte é feminino.
O Minho é uma menina. Tem a doçura agreste, a timidez insolente da mulher portuguesa. Como um brinco doirado que luz numa orelha pequenina, o Norte dá nas vistas sem se dar por isso.
As raparigas do Norte têm belezas perigosas, olhos verdes-impossíveis, daqueles em que os versos, desde o dia em que nascem, se põem a escrever-se sozinhos. Têm o ar de quem pertence a si própria. Andam de mãos nas ancas. Olham de frente. Pensam em tudo e dizem tudo o que pensam. Confiam, mas não dão confiança. Olho para as raparigas do meu país e acho-as bonitas e honradas, graciosas sem estarem para brincadeiras, bonitas sem serem belas, erguidas pelo nariz, seguras pelo queixo, aprumadas, mas sem vaidade. Acho-as verdadeiras. Acredito nelas. Gosto da vergonha delas, da maneira como coram quando se lhes fala e da maneira como podem puxar de um estalo ou de uma panela, quando se lhes falta ao respeito. Gosto das pequeninas, com o cabelo puxado atrás das orelhas, e das velhas, de carrapito perfeito, que têm os olhos endurecidos de quem passou a vida a cuidar dos outros.Gosto dos brincos, dos sapatos, das saias. Gosto das burguesas, vestidas à maneira, de braço enlaçado nos homens. Fazem-me todas medo, na maneira calada como conduzem as cerimónias e os maridos, mas gosto delas.São mulheres que possuem; são mulheres que pertencem.
As mulheres do Norte deveriam mandar neste país.
Têm o ar de que sabem o que estão a fazer.

Em Viana, durante as festas, são as senhoras em toda a parte. Numa procissão, numa barraca de feira, numa taberna, são elas que decidem silenciosamente. Trabalham três vezes mais que os homens e não lhes dão importância especial. Só descomposturas, e mimos, e carinhos.


O Norte é a nossa verdade.



Ao princípio irritava-me que todos os nortenhos tivessem tanto orgulho no Norte, porque me parecia que o orgulho era aleatório.
Gostavam do Norte só porque eram do Norte. Assim também eu. Ansiava por encontrar um nortenho que preferisse Coimbra ou o Algarve, da maneira que eu, lisboeta, prefiro o Norte. Afinal, Portugal é um caso muito sério e compete a cada português escolher, de cabeça fria e coração quente, os seus pedaços e pormenores. Depois percebi...Os nortenhos, antes de nascer, já escolheram. Já nascem escolhidos. Não escolhem a terra onde nascem, seja Ponte de Lima ou Amarante, e apesar de as defenderem acerrimamente, põem acima dessas terras a terra maior que é o "O Norte". Defendem o "Norte" em Portugal como os Portugueses haviam de defender Portugal no mundo. "

segunda-feira, julho 04, 2005

A visão de um avião sobre as coisas

"When the aircraft is flying in straight flight with the ailerons neutral, both wings produce the same amount of lift. This is true because both wings are at the same angle of attack and flying at the same velocity.
If the pilot deflects the ailerons then one wing will produce more lift than the other. This causes a rolling moment. The aircraft will begin to roll and will continue to roll, faster and faster, as long as one wing produces more lift than the other."

sexta-feira, junho 24, 2005

Comunicado

E eu a pensar que seria diferente… A iludir-me com as tuas promessas fúteis e a imaginar que aconteceria como das outras vezes, onde bastava uma palavra de ordem minha para que tudo ficasse no seu devido lugar. Contigo não é assim. Não deixas que o seja. Queres mudar o meu grito de guerra, mas aviso-te já que não admito que o tentes fazer. Talvez seja por isso que ainda lutamos. Cada vez menos e cada vez com menor intensidade, mas ainda disparamos palavras secas que nos deitam abaixo de tempos a tempos. Quem julgas ser? Posso cair mais vezes que tu, mas sabes bem que sou sempre o primeiro a pôr-me de pé e a virar-te as costas. Tenho pena que só depois disso consigas acordar do teu mundo de indiferença. Só quando te sentes sozinha no chão é que te lembras de chamar por mim. Só nessa altura é que sabes o meu nome…Lamento dize-lo, mas assim não me impressionas. Se queres mais do que trocas de olhares e conversas casuais despacha-te, porque a vontade que tinha guardada já se esta a gastar. Entrei na reserva dos meus sentidos e não vou deixar, de forma alguma, que ela se perca contigo. Por isso, pergunto-te pela última vez: em que é que ficamos?

As Betas

As Betas têm franjas iguais
que lhes tapam a cara
e as vezes muito mais.
As Betas juntam-se em grupos seletos
falam de tudo e do nada
e discutem sobre os raparezes Betos.
As Betas andam todas no popó do papá
e no Natal oferecem prendas
até a prima, da tia, do amigo da Bibá.
As Betas são as mais bronzeadas no Verão
mas enchem-se de cremes caros
com medo de apanhar um escaldão.
As Betas tentam sempre manter-se estrelas celestiais
a unica diferença é que não brilham
mas tentam..usando tops, mini saias e fios dentais.
As Betas saem a noite todas arranjadas
vão para a festa e dizem que é "supé giruu"
só para não se sentiram deslocadas
As Betas estao cheias de segredos e rituais
mas ainda bem que existem as Betas
caso contrario o que seria de Cascais?

domingo, maio 29, 2005

As vezes

As vezes, é estranho encarar o desconhecido, o incompreensível e o metafísico. As vezes é difícil sair do sofá, mesmo quando na televisão, que esta estrategicamente posicionada a sua frente, não passa nada de interessante. As vezes, começa a chover quando estamos a caminho de casa. A chuva deixa-nos irritados, porque pensamos sempre que se não nos tivéssemos atrasado, já estaríamos em casa antes de ter começado a chover. As vezes, ligamos o rádio e está a dar uma música qualquer. Uma hora depois, voltamos a ligá-lo e a mesma melodia está no ar. Repete-se infinitamente até que alguém componha outra música do mesmo género para ser ouvida até a exaustão. As vezes, vamos tomar café com um amigo, quando na realidade nos apetece estar noutro lugar. Nessas alturas, beliscamos o nosso braço para tomar atenção a conversa e não parecermos desinteressados. Fazemo-lo, cada um a sua maneira, mas quase sempre sem sucesso. As vezes, colocamos o despertador para uns minutos mais cedo só para podermos fazer preguiça na cama, mas acabamos sempre por perder a noção do tempo. As vezes, dizem-nos coisas que não gostamos mas não respondemos de volta. Um dia depois, surge-nos a resposta perfeita, mas nessa altura já é tarde. As vezes, fazemos tanta coisa que não devíamos fazer e outras vezes, não fazemos nada.
Mas…
As vezes sabe bem aceitar o que não se compreende. É como uma aventura pelo desconhecido. Não importa o final, somente a excitação que nos leva a agir, a dizer frases que nunca diríamos, a criar situações engraçadas que nos façam rir e a viver o momento tão intensamente que acaba guardado no cantinho das memorias. As vezes, naqueles dias em estamos cansados, sabe bem não fazer nada descaradamente. Ser um autentico Koala Europeu. Dormir, comer, deitar, levantar, comer e dormir. Voltar a nascer de novo, para que num futuro próximo possamos estar totalmente acordados perante o Mundo. As vezes, quando chove e estamos na rua, sabe tão bem. Porquê? Porque logo a seguir vamos para casa onde nos espera um banho quente, acolhedor, que nos embala de tal forma que quando vamos dormir não temos de esperar pelo sono. As vezes o rádio passa músicas repetidas. Mas quantas dessas vezes não são musicas que nos fazem sentir bem. Tão alegres e ritmadas que as vamos cantarolando enquanto nos preparamos para mais um dia. As vezes não temos vontade de ver os amigos, e mesmo assim eles conseguem pôr-nos fora de casa. Sem dar por isso, um encontro indesejado torna-se numa tarde memorável e cheia de gargalhadas. As vezes perdemos a noção do tempo, mas ao fim de semana é tão bom olhar para o relógio e pensar “ se fosse Segunda a esta hora já estaria de pé”. As vezes dizemos coisas que não queremos e ouvimos outras tantas que não gostamos, mas há sempre aquelas vezes em que tudo nos sai no instante exacto. Expomos a nossa opinião da forma mais compacta e clara que, para além de surpreendermos os que nos rodeiam, também ficamos espantados. As vezes...tantas vezes…

Joana

quinta-feira, maio 26, 2005

Carta para a Amélia

Já me tinhas contado como iria ser, mas eu não pensei que chegasse tão cedo este dia. Apesar de inesperado, faço o que sempre te prometi fazer e o que tenho a certeza que gostarias que eu fizesse. Sei que partiste com saudade do que ficou, mas também vi em ti uma imensa vontade de ir para o sítio que outrora tinha sido teu. Voltaste para casa e voltaste feliz. Esse é o único motivo que me faz ficar a sorrir para ti, enquanto te vejo acenar-me debruçada na janela do comboio já em movimento. Não vou mentir e dizer que pensarei em ti todos os dias. Não me vou iludir cultivando esperanças de que voltes brevemente. Vou simplesmente, nos dias em que a saudade apertar, escrever-te uma carta a recordar os bons momentos. Unicamente os bons momentos. Durante o tempo que estiveste, sempre sentada ao pé de mim, foste tudo o que podias ser. Deste tudo de ti. O ombro, a gargalhada, a imaginação, a nostalgia. Até o silêncio me deste quando era necessário. Juntas, fomos tantas vezes para a janela do meu quarto, lembras-te? Ficávamos lá a olhar para a rua. Víamos as pessoas passar e criávamos histórias rebuscadas sobre elas. Nunca me vou esquecer daquela noite quente em que, ao olhar o céu, vimos um avião passar e juramos que parecia uma baleia dos céus. A partir desse dia o céu passou a ser o nosso mar. Rimos que nem duas crianças no chão frio. Eu lembro-me tão bem de todos os detalhes, mesmo daqueles que nunca cheguei a partilhar contigo. Foram poucos, mas a verdade é que também guardei pedacinhos só nossos no meu no livro de recordações. Aposto que fizeste o mesmo. Espero sinceramente, que tenhas o tenhas feito, para que no futuro, quando quiseres trazer a memoria estes momentos o possas fazer embalada numa nostalgia acolhedora. Desculpa-me as vezes que não te quis ouvir e também todas aquelas em que, com a minha borracha branca, te fui em tentativas frustradas, apagando de mim. Desculpa-me os dias em que me deixei levar pela corrente mais forte e mesmo quando tentava nadar na direcção oposta, ela empurrava-me constantemente até ao desconhecido. Acredita que por isso comprei uma bússola e trago-a comigo para todo o lado. Agora sei sempre o caminho de volta.
Neste instante, em que já mal te vejo porque o comboio vai longe, acho que já deves estar a ler esta carta. Amélia, minha Amélia, vou ter tantas saudades tuas, tantas que, apesar de teres acabado de partir, já me inundaram violentamente. Espero que um dia me venhas visitar. A tua cadeira, aquela que costumavas usar quando te sentavas ao pé de mim, não vai sair do lugar e vai estar sempre vazia a tua espera. Escreve-me também da Terra do Nunca. Manda-me abraços pelas baleias que passam no céu e lembra-te de nós. Lembra-te de nós sempre que te apetecer, mas acima de tudo, lembra-te somente dos bons momentos.

Joana

quarta-feira, maio 25, 2005

Histórias Casuais IV

Lembras-te do que te queria dizer? Eu já não me lembro.

Amélia

Capítulos Meus I

Já era tarde. É sempre tarde demais para mim. Entrei no carro e antes de arrancar a Rita foi até à janela, que estava aberta, e deu-me beijo meloso de parabéns. Tinha acabado de comer torradas e ainda não tinha limpo a boca. Ela gosta de muito de torradas e eu também gosto, por isso mesmo, só as comemos ao fim de semana, para que nessa altura nos saibam melhor do que nunca. É uma tradição cá em casa nos pequenos-almoços de Sábado.
Fiz-me a estrada, mas já era tarde. Não sabia ao certo que caminho seguir e fui sempre em frente. Como era agradável andar na estrada a esta hora da manha. Sentia-me como se ela fosse só minha. Sem trânsito, sem buzinadelas nem filas, só o alcatrão a fumegar e a paisagem plana a cheirar a Verão. Liguei o rádio para me fazer companhia. Estava a dar uma música antiga do meu tempo. Enquanto acelerava pela solitária faixa da direita, ia pensando com nostalgia. Antes era o meu pai a recordar as músicas do seu tempo quando íamos de viagem. Agora é a minha vez. Tal como ele faria, vou cantarolando desafinadamente um refrão qualquer que me ficou no ouvido durante anos a fio. Olho para uma placa que esta a poucos metros de mim. Uma estação de serviço aproxima-se. Quando ela chega faço um desvio e aproveito para beber um café e descansar uns minutos.
Peço o café e vou sentar-me numa mesa junto a parede. Da minha mala verde, que ninguém gosta, tiro um pequeno papel já amarelecido pelo tempo. Guardo-o há tantos anos e mesmo assim, neste instante, podia fazer as contas para saber a exactamente quanto tempo o guardo. Mas isso não é relevante. Abro-o com o mesmo cuidado que me levou a guarda-lo, na caixa que tenho debaixo da cama, durante décadas. Nele está uma morada. Ainda me lembro do dia em que ma deram. Olharam-me nos olhos e debitaram no ar o nome de uma rua, um número de uma casa e uma cidade. Nunca me disseram para que iria servir tal informação. Eu também nunca perguntei. Mas hoje, no dia combinado, sai de casa deixando a Rita para trás, só por um instante, eu sei que ela fica bem, e fiz-me a estrada.

Amélia

sexta-feira, maio 20, 2005

Histórias Casuais III

Não a ves?
Lá vai ela a olhar para o chão.
A pensar no que já passou.

Não a ves?
Lá está ela ao pé do cão.
Assustada porque ladrou.

Não a ves?
Lá anda ela no barracão.
A praguejar tudo o que lhe dou.

Não a ves?
Pois não, já vai dentro do caixão
E agora acabou.

Amélia